O conceito de que Javé escolheu
Israel para ser sua possessão é chamado “eleição”. A base da doutrina encontra-se
no chamado de Abraão, quando a promessa de Deus é dirigida à “semente” ou
descendentes de Abraão.
A eleição divina não é um ato arbitrário, ainda que Deus tenha tomado uma nação em detrimento de outras. A nova obra de redenção divina exigia um novo povo, daí o chamado de Abraão e a formação de uma nova nação a partir da família de Abraão.
Por causa dessa eleição, Israel devia destruir as nações na terra de Canaã. Não devia fechar tratados com elas. Não deveria haver casamentos mistos entre israelitas e os povos da
terra. Isso só poderia fazer com que os israelitas deixassem Javé para servir
outros deuses. Acima de tudo, deveriam destruir todos os símbolos religiosos
dos cananeus. Essas obrigações parecem
penosas. Uma vez que Javé é igualmente Deus de todas as nações e, portanto,
todos os povos são igualmente suas criaturas, por que essas restrições pesadas?
Tais restrições precisam ser vistas
da perspectiva correta, do contexto da eleição. Javé escolheu Israel e é o
Deus de Israel. Deus não assume nenhum compromisso específico com outras
nações, exceto o que está implícito na
aliança com Israel. Essa ideia básica de eleição está por trás das porções
exclusivistas do Novo Testamento, tais como a diferença entre os seguidores de
Cristo e o “mundo”
Mas esse conceito de eleição tem
outra face. Havia outro propósito no fato de Deus escolher Abraão e seus
descendentes: “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). O
ciúme de Deus para com Israel não brota de sua indiferença para com outros
povos; antes, surge de sua preocupação de que Israel transmita a verdade divina
aos outros povos. Se Israel não for cuidadoso para guardar a verdade que Javé
revelou em palavra e em atos, a verdade
nunca chegará ao restante do mundo.
A palavra “aliança” desponta aqui e
ali com frequência no Antigo Testamento. Embora seja às vezes descrita como um “contrato”
ou “acordo”, a aliança bíblica é um tanto diferente. Um contrato implica
reciprocidade: “pelo valor recebido aceito pagar...”. Se um dos contrastes
deixa de cumprir sua parte, o outro fica desobrigado. Mesmo o tratado de suserania
não é bem igual à aliança bíblica, embora pareça um paralelo mais próximo.
Aqui, o governante venceu o povo vassalo e, portanto, impõe-lhe certas
obrigações. Em troca promete prover os devidos benefícios. Ao contrário, a
aliança bíblica, a relação entre Deus e seu povo escolhido, não se origina nem
na reciprocidade nem na conquista. Ela começa no amor: “porque o Senhor vos
amava...” (Dt 7.8). Assim mesmo que o povo falhe e não cumpra sua parte da obrigação – como certamente fizeram no deserto e ao longo da maior parte de sua
história – , Deus não quebrará sua aliança (Dt 4.31).
Quanto aos profetas, a relação de
aliança torna-se a pedra fundamental de
sua esperança. Uma vez que o Senhor deles é um Deus que guarda as promessas da
aliança, os profetas sabiam que no final Deus devia redimir o povo, devolvê-lo
à terra e estabelecer o rei no trono. Os elementos dessa esperança já estão
presentes em Deuteronômio.
Não devemos, porém, supor que sobre
Israel não se impunham obrigações. Na relação da Aliança, Javé honra sua parte
(as promessas) porque ama e porque é Deus. O Senhor pode punir Israel por
desobediência e até castigar gerações inteiras por incredulidade persistente,
mas a aliança permanece em vigor – simplesmente por causa da natureza de Deus.
Israel, por outro lado, está obrigado
pela honra a manter as exigências da aliança – não para colocar Javé em débito
com Israel, mas porque Israel é o povo de Javé e deve agir de acordo com essa
condição. Moisés apela ao princípio fundamental estabelecido em Levítico – “Santos
sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”(Lv 19.2).
“Porque tu és povo santo ao
Senhor, teu Deus; o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há
sobre a terra. Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fosseis
mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas
porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais,
vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó,
rei do Egito.” Deuteronômio 7.6-7
* Trecho selecionado de Introdução ao Antigo Testamento, de
William S. Lasor, David A. Hubbard, Frederich W. Bush, pgs 131-133.