Nunc Demittis

Esse é o nome pelo qual é frequentemente chamado o cântico de Simeão, devido às palavras em latim com que ele começa: “Agora, Senhor...”.[i] Lucas nos diz que esse era um homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel, e que o Espírito Santo estava sobre ele.[ii] Vamos ler o cântico em sua integra, conforme Lucas 2:29-35:

Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra; pois os meus olhos já viram a tua salvação, a qual tu preparaste ante a face de todos os povos; luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo Israel. Enquanto isso, seu pai e sua mãe se admiravam das coisas que deles se diziam. E Simeão os abençoou, e disse a Maria, mãe do menino: Eis que este é posto para queda e para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição, sim, (e uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.

Lucas nos diz que o Espírito Santo revelara a Simeão que este não passaria pela morte antes de ver o Cristo do Senhor. Também foi ele foi movido ao Templo pelo mesmo Espírito.[iii] Não resta dúvidas que este era um homem que andava com Deus. Isso é visto na intensidade em que almejava a vinda do Messias, bem como na maneira direta que o Espírito lhe direcionava.

O Nunc Demittis, além de demonstrar a intimidade de Simeão com Deus, é uma grande exposição do poder de salvação, revelação e manifestação de pensamentos dos corações centradas na pessoa de Cristo, bem como da glória concedida ao povo de Israel.

Vamos tratar desses quatro tópicos em destaque.

Ao chegar ao templo e ver José e Maria com a criança, Simeão a tomou nos braços e louvou. Os seus olhos haviam visto a SALVAÇÃO, preparada para todos os povos. A salvação sobre a qual ele exulta é o próprio menino que segurava em seus braços, Jesus Cristo. Esse então infante, mais tarde, falou sobre si mesmo: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”[iv]. Não há salvação fora de Cristo, e Simeão conhecia esta verdade.

Jesus Cristo é também a LUZ PARA REVELAÇÃO AOS GENTIOS. Veja o que diz o comentário da Bíblia de Barnes:

Nos profetas, os gentios são representados sentados na escuridão, isto é, em ignorância e pecado. Cristo é luz para eles, pois por Ele, eles conhecerão o caráter do verdadeiro Deus, sua lei, e seu plano de redenção. Assim como a escuridão se dissipa quando o sol se ergue, o erro e a ignorância vão embora quando Jesus traz luz à mente. Nações virão para a sua luz, e reis para o brilho que nasceu, Isaías 60:3. [v]

Sem luz, o sentido da visão é inútil, não sabemos o que está ao nosso redor. Quando completa o seu ministério na cruz, Jesus mostra que o homem é incapaz de se reaproximar de Deus por esforço próprio e nos traz luz sobre o que ele significou quando disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”.

Em Jesus está revelada também a GLÓRIA DE ISRAEL.

Eu sou brasileiro. Tenho orgulho da Amazônia, maior floresta tropical do mundo, e das Cataratas do Iguaçu, maiores quedas da água da Terra. Uma das novas sete maravilhas do mundo, o Cristo Redentor, está no Rio de Janeiro, considerada uma das cidades mais belas do planeta. Gosto de ter, no meu próprio país, outras belezas naturais, como, por exemplo, o nosso lindo e extenso litoral. Glorio-me em ter a seleção de futebol mais vezes campeã mundial, e ter como compatriota Pelé, o melhor futebolista de toda a história.

Agora, imagine o júbilo do Judeu que crê em Cristo. Veja que grande glória: Jesus é Judeu! A salvação da humanidade, o próprio Deus encarnado, é compatriota dos Israelitas. Se eu fosse Judeu messiânico, eu iria me referir a isso com muita alegria o tempo todo: “O Criador se fez carne como um dos meus... O salvador de todos os homens é meu compatriota”. Maravilhoso demais!!! Mesmo não sendo Judeu, me alegro pela bem-aventurança desse povo[vi].

Por último, Nunc Demittis fala de Jesus como alvo de contradição, PARA QUE SE MANIFESTEM O PENSAMENTO DOS CORAÇÕES. Veja que interessante. O autor da carta aos Hebreus no diz que “a palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante que espada de dois gumes... apta para discernir os pensamentos e intenções do coração[vii]. Por sua vez, o Evangelho de João nos diz que Jesus é “a palavra que se fez carne e habitou entre nós”. Logo, Jesus é a Palavra viva e eficaz que discerne e manifesta o que realmente está em nosso íntimo.

Não se está falando dos pensamentos da mente, que podem até mesmo se expressar de maneira a esconder nossas intenções. Mas a Palavra, leia-se Jesus, manifesta o que está no mais profundo daquilo que somos, do que nos desperta sentimentos, desejos, e dirige nossas intenções: os pensamentos do coração.

Jesus é sempre alvo de contradição. Pregar a Cristo nunca é algo pacífico. Ninguém consegue ficar indiferente a esta pregação: ou as pessoas se sentem ofendidas, ou são tomadas por um estado de júbilo. Através dela, você desperta oposição ou amor e obediência. No entanto, Jesus é categórico: “Bem-aventurado é aquele que em mim não se escandalizar”[viii].

Somente a Palavra encarnada é capaz de revelar o que está no âmago de nosso ser. E o que está no âmago de nosso ser? Simplesmente aquilo que há de mais importante e poderoso para dirigir as nossas vidas. E nisso está o alvo de contradição: Independente daquilo que falamos ou construímos em nossos raciocínios a respeito de Deus, aquilo que pensamos de Cristo é o que manifesta as intenções de nossos corações em relação ao Criador. Os religiosos auto proclamam-se conhecedores de Deus, mas foram estes (fariseus, escribas e mestres da lei) que negaram, perseguiram e mataram a Cristo, pois nunca acreditaram ser Ele o Messias, o filho de Deus, o Criador encarnado.

Paul Washer, em uma de suas pregações[ix], afirma que aquilo que nós pensamos e sentimos em relação a Cristo é definidor de nossa eternindade: “A grande questão no dia em que estiveres face a face com o Criador será: `O que você pensa de Cristo? O que você fez com ele?... e naquele dia você saberá o que é verdadeiramente real... alguns de vocês se regozijarão, mas outros irão perceber que viveram para a coisa errada”.

“Quem as multidões dizem que eu sou?”, perguntou o Senhor aos seus discípulos. Ao qual eles responderam: “João Batista. Outros dizem, Elias, e outros, que um dos profetas antigos que ressurgiu”. Jesus não estava muito interessado em saber o que a sociedade pensava dele, mas essa primeira pergunta não passava de um meio de fazer os doze pensarem melhor sobre como essa questão pode ser definidora de suas identidades. Em seguida, então, ele perguntou: “E vocês? Quem vocês dizem que eu sou?”. E Pedro exclamou: “O Cristo de Deus!”.

Enfim, quem é Jesus? A minha resposta para esta pergunta é o que irá manifestar os pensamentos de meu coração e definir quem eu realmente sou perante Deus.

Para mim e para você, não importa o que a multidão pensa. Não importa nem mesmo o que Pedro pensa, pois essa é uma resposta pessoal e intransferível. A mais da verdade, nem mesmo o que a sua boca expressa irá importar, se suas palavras não são fiéis ao que está em teu coração, “porque, se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo[x]”. São os pensamentos do teu coração acerca de Cristo que definirão quem você é. A Palavra encarnada será sempre alvo de contradição se não houver em tuas palavras fidelidade ao que pensa o teu coração.

Lembremos que o estado natural do coração humano é odiar a Deus, pois todos pecaram, e se fizeram inimigos de Deus. Por isso, Paulo no afirma que “ninguém pode dizer Jesus é Senhor, a não ser pelo Espírito Santo[xi]. Nisso está a beleza do Evangelho, que consiste naquilo que Deus fez por nós, e não naquilo que fizemos, fazemos ou deixamos de fazer. Apesar de sermos naturalmente endurecidos contra Deus, é Ele mesmo que tem o poder de quebrar a nossa dureza e nos dar um novo coração de carne, macio e receptivo à sua palavra[xii]. O Espírito aponta para Cristo e faz uma obra regeneradora em nossas vidas. Dele dependemos para termos revelação plena da pessoa de Cristo.

Nunc Demittis, agora Senhor, levanta-nos ao manifestar o pensamento de nossos corações. Faça-os totalmente favoráveis à pessoa de teu filho Jesus.



[i] Bíblia de Genebra.

[ii] Lucas 2:25.

[iii] Lucas 2:26 e 27

[iv] João 3:16

[v] The Gentiles are represented as sitting in darkness that is, in ignorance and sin. Christ is a "light" to them, as by him they will be made acquainted with the character of the true God, his law, and the plan of redemption. As the darkness rolls away when the sun arises, so ignorance and error flee away when Jesus gives light to the mind. Nations shall come to his light, and kings to the brightness of his rising, Isaiah 60:3.

[vi] Olhar para Israel com carinho é obrigação de todo Cristão, e aqueles que não o fazem estão demonstrando um coração endurecido à própria pessoa de Cristo.

[vii] Hebreus 4:12

[viii] Lucas 7:23 – Na tradução em Inglês se usa ofender ao invés de escandalizar: "Blessed is the one who is not offended by me". Jesus, the Christ (Luke 7:23). English Standard Version

[x] Romanos 10:9

[xi] I Coríntios 12:3

[xii] Ezequiel 11:19